Acórdão Vodafone - Uma peça de filigrana da jurisprudência portuguesa
Publicação:

I
OS TERMOS DA ACÇÃO
- A acção principal
Em 2018, dois cidadãos portugueses instauraram uma acção popular contra VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., pedindo:
“a) Que a todos os seus clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido;
b) Que a todos os clientes da Ré, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.
c) Que a R. seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência activar por defeito e automaticamente tais serviços extras;
d) Que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente, mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional;
e) Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efectuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da directiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré;
f) Que sejam declaradas como cláusulas contratuais proibidas e consequentemente nulas qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c), nomeadamente seja considerada uma cláusula contratual proibida aquela que impõe a obrigatoriedade ou a não possibilidade de recusa da contratação de serviços adicionais extra, nos termos e para os efeitos dos artigos 12 e 24 do DL 446/85, de 25 de Outubro, e da Directiva 93/13 CEE, de 05 de Abril;
g) Caso não proceda o pedido em f) que sejam declaradas como cláusulas contratuais gerais contrárias à boa -é qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c), nos termos do artigo 15 do DL 446/85, de 25 de Outubro, e da directiva 93/13 CEE e que concomitantemente sejam consideradas proibidas nos termos e para os efeitos do artigo 25 do DL 446/85, de 25 de Outubro.”
2. Intervenção principal
Em 21 de Dezembro de 2021, a CITIZENS' VOICE CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, associação cujo escopo é a da defesa dos consumidores na União Europeia, submeteu um requerimento para intervir na acção, como autora, a título principal, declarando aceitar os autos na fase em que se encontram, nos termos do artigo 15.º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, e aceitando inclusivamente representar, por sua própria iniciativa, todos os demais titulares dos interesses em causa que não tenham exercido a auto-exclusão prevista no artigo 15.º, in fine, da Lei 83/95, com as consequências legais que de tal decisão se possa retirar (cf. artigo 14.º da Lei 83/95).
Conquanto impugnada pela Demandada, o Tribunal veio a admitir a intervenção principal da Citizens’ Voice Consumer Advocacy Association.
II
A DECISÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA
- Pontos sobre que incidiu o julgamento no tribunal comarcão
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal.
O tribunal de 1.ª instância incidiu sobre as seguintes questões:
- « Saber se a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado ou que não constituem cumprimento de um contrato válido;
- Saber se a Cláusula 2ª, alínea d), do Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel, por referência ao “pacote Red” se mostra contrária às regras imperativas do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, por obrigar o consumidor a adquirir automaticamente e sem hipótese de recusa serviços extra, pagos;
- Saber se a Ré é responsável, e em que medida, pelo reembolso de quantias pagas pelos seus clientes/consumidores;
- Da má-fé dos Autores».
- O teor da sentença em primeira instância
O tribunal de 1.ª instância lavrou a sua decisão nestes termos:
«… Julgar improcedente a presente acção, e consequentemente, decidir absolver a Ré do pedido.
Mais decidiu absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé.
… ».
- Os passos subsequentes
Os Demandantes interpuseram recurso ”per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça (já que a decisão circunscrevia-se a meras questões de direito)
III
O TEOR DA DECISÃO
NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
…
“12. Em consequência, declara-se a nulidade das cláusulas contratuais gerais impugnadas, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 e do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 446/85, devendo a Ré VODAFONE restituir aos consumidores-aderentes os pagamentos adicionais cobrados pelos serviços extra não expressamente solicitados ou acordados, podendo os consumidores optar pela manutenção do contrato, sem a cláusula de activação automática dos serviços adicionais, ou pela nulidade de todo o contrato por ser contrário à lei (artigo 280.º do Código Civil).
13. Assim, reconhecemos, nos termos peticionados, a todos os Autores populares, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora Autores, o direito a não pagarem os serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido, que se desdobra nos seguintes direitos:
i) o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações;
ii) o direito a não pagarem por esses serviços quando não os tenham solicitado e/ou quando os tenham expressamente recusado;
iii) o direito a que as operadores de serviços de telecomunicações móveis (como a Ré) não possam deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu na prestação dos serviços adicionais de telecomunicações, por falta de recusa expressa dos mesmos;
iiii) o direito a que não possam estas empresas activar por defeito e automaticamente tais serviços extras.
…
DECISÃO
Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré VODAFONE S.A., à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da activação automática de serviços adicionais não solicitados.”
IV
O SUMÁRIO DO ARESTO LAVRADO
NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Do bem lavrado aresto com a chancela da Conselheira (Ministra, se comparada às categorias existentes na judicatura brasileira) Maria Clara Sottomayor (sendo que como adjuntos intervieram os Conselheiros Pedro de Lima Gonçalves e Fernando Samões), com data de 02 de Fevereiro pretérito, eis o sumário com o timbre da relatora:
“I – Os contratos de adesão caracterizam-se pela predisposição unilateral e pela generalidade, cabendo apenas a uma das partes a sua pré-elaboração, sem prévia negociação com a outra, e destinam-se a ser subscritos por uma multiplicidade de contraentes potenciais.
II – Nos termos do artigo 9.º - A, n.º 2 e n.º 3, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, a obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais; nos casos em que a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional (ou que nem admitem a possibilidade de recusa), o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.
III - Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (facto provado n.º 27) e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida.
IV – Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao predisponente que compete proporcionar-lhe condições para tal.
V – O dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente perceptível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expectativas.
VI – O conceito de boa-fé como critério de validade das cláusulas contratuais gerais (artigo 15.º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro) surge como externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à liberdade contratual.
VII – A boa-fé concretiza-se pelos critérios gerais fixados no artigo 16.º do citado diploma – a tutela da expectativa do aderente e o objectivo do contrato – e é objecto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição de conteúdo contratual (artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85), como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao predisponente de [condições gerais dos contratos], contexto negocial que exige ao julgador um papel corrector e constitutivo da justiça contratual.
VIII – A cláusula em litígio das Condições Gerais do Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel [celular] relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte:
“O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.
IX – A citada cláusula contraria as duas vertentes da boa-fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra activados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços.
X – Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expectativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a Ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.
XI – Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15.º e 16.º do citado diploma, conjugados com a al. d) do artigo 19.º (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos é uma cláusula que contraria a boa-fé e [é] proibida pela lei.”
V
SIMPLES APRECIAÇÃO DOS TERMOS DO ARESTO
- A natureza da acção e a “legitimatio ad causam”
A acção de que os autores lançaram mão é a acção popular cível, que a Constituição da República prevê no n.º 3 do seu artigo 52.
Na sua versão original, o artigo 49 do Texto Fundamental prescrevia, sob a epígrafe “direito de petição e acção popular”:
“1. Todos os cidadãos podem apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição e das leis ou do interesse geral.
2. É reconhecido o direito de acção popular, nos casos e nos termos previstos na lei.”
Na sua versão actual, o n.º 3 do artigo 52 se acha configurado como segue:
“É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.”
Os demandantes, pessoas singulares (físicas), lançaram mão – não da acção inibitória, quer a geral, quer a especial em sede de “condições gerais dos contratos” – porque a primeira [a de índole geral] é afastada pela que se reveste de natureza especial, constante da lei respectiva [o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro], em cujo artigo 25 se estatui:
“ As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.”
E, em termos de outorga de legitimatio ad causam, circunscreve-a, no que nos toca, conforme o artigo subsequente – o 26 -, a:
- Associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito previsto na legislação respectiva;
- Ministério Público, oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado;
- Direcção-Geral do Consumidor, por integração da alínea c) do artigo 13 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor [Lei n.º 24/96, de 31 de Julho de 1996].
É certo que, em termos mais amplos, no que à acção inibitória, em geral, tange, os consumidores singularmente considerados vêem reconhecida a sua legitimatio ad causam, que não nas acções inibitórias estatuídas em matéria de condições gerais dos contratos / cláusulas abusivas, o que é algo de incompreensível, dados os interesses em presença.
Com efeito, o artigo 13 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor define, a tal propósito,
“Têm legitimidade para intentar as acções previstas nos artigos anteriores:
a) Os consumidores directamente lesados;
b) Os consumidores e as associações de consumidores, ainda que não directamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto;
c) O Ministério Público e a Direcção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos.”
E o artigo 10.º recorta a acção inibitória, em geral, nestes termos:
“ É assegurado o direito de acção inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na presente lei, que, nomeadamente:
a) Atentem contra a sua saúde e segurança física;
b) Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas;
c) Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.”
Uma adequada integração normativa conduziria naturalmente a que os consumidores individuais, lesados ou não, dotados fossem de legitimidade processual activa para a instauração de acções inibitórias especiais em matéria de cláusulas leoninas, exorbitantes ou abusivas, à semelhança, aliás, com o que ocorre nas acções inibitórias em geral, e no que em particular se reporta às acções populares.
Com efeito, compulsando a Lei 83/95, de 31 de Agosto, que regulamenta, afinal, o ‘programático’ n.º 3 do artigo 52 da Lei Fundamental, dois os dispositivos que encerram a problemática da legitimatio ad causam:
No seu artigo 2.º, a “titularidade … do direito de acção popular” é conferida a:
- quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as
- associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior [são designadamente interesses protegidos… a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público]
independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.
No que com as associações e fundações se prende, “constituem requisitos da legitimidade activa”:
- a personalidade jurídica;
- O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate;
- Não exercerem qualquer tipo de actividade económica concorrente com empresas ou profissionais liberais.
Os demandantes, a que se associou, no decurso da causa, a Citizens Voice – Consumer Advocay Association, de criação recente, ao que se julga saber, usaram da acção popular, acautelando o risco de , desacompanhados de uma qualquer associação no momento da proposição da acção, vir a ser liminarmente indeferida a acção em razão da sua ilegitimidade se o molde adoptado fosse o da acção inibitória em matéria de supressão de cláusulas abusivas quer do formulário de adesão quer dos contratos singulares pelos aderentes firmados. Sem nos atermos a considerações de outra ordem no caso cabíveis.
- Os serviços adicionais não solicitados
Os serviços adicionais não solicitados e que nem sequer resultam de qualquer contrato validamente celebrado têm a sua previsão normativa, em geral, na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, a saber, no n.º 4 do seu artigo 9.º:
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
O facto é que de norma sem sanção se trata… nanja no plano privatístico, já que a violação de disposições legais de carácter imperativo, como é o caso, importa a nulidade do acto, de harmonia com o que prescreve o Código Civil, no seu artigo 294.
Razão por que a Lei dos Contratos à Distância e de Outras Práticas Comerciais de 14 de Fevereiro de 2014 (DL 24/2014), em seu artigo 28.º, reza, sob a epígrafe “fornecimento de bens não solicitados”, o que segue:
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor, excepto no caso de bens ou serviços de substituição fornecidos em conformidade com o n.º 4 do artigo 19.º
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”
Para além de se achar ferido de invalidade, o acto constitui ainda um ilícito de mera ordenação social muito grave, cuja sanção, em dinheiro – a coima –, oscila entre 3.000,00 € a 11.500,00 € (micro-empresas) e 24 000,00 a 90 000,00 € (grandes empresas), isto é, consoante a natureza e a dimensão do estabelecimento mercantil de que se trata e as circunstâncias atenuantes ou agravantes que se observarem, passando por valores intermédios para as pequenas e médias empresas.
No que tange aos “pagamentos adicionais”, rege o artigo 9.º - A da Lei-Quadro que disciplina a situação sub judice como segue:
“1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor de bens ou prestador de serviços tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor de bens ou prestador de serviços.
2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.
3 - Quando, em lugar do acordo explícito do consumidor, a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional, o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.
4 - Incumbe ao fornecedor de bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.
5 - O disposto no presente artigo aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais.”
Daí que houvesse de colher a argumentação deduzida pelos demandantes na acção e na minuta de recurso interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça, tanto mais que há uma patente violação dos quadros jurídicos delineados e em vigor no ordenamento jurídico pátrio. Porquanto “a obrigação de pagamentos adicionais depende da comunicação clara e compreensível ao consumidor, tendo-se por inválida a aceitação pelo aderente quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não de tais pagamentos adicionais.”
Ademais, a Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008 [DL 57/2008, de 26 de Março], na alínea d) do n.º 2 do seu artigo 11, estabelece que
“Para efeito do disposto no número anterior [é agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coacção ou influência indevida, limite ou seja susceptível de limitar significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e, por conseguinte, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo], atende-se ao caso concreto e a todas as suas características e circunstâncias, devendo ser considerados os seguintes aspectos:
…
d) Qualquer entrave não contratual oneroso ou desproporcionado imposto pelo profissional, quando o consumidor pretenda exercer os seus direitos contratuais, incluindo a resolução do contrato, a troca do bem ou serviço ou a mudança de profissional”
E, na alínea f) do seu artigo 12.º, dispõe que
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:
…
“Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado, sem prejuízo do disposto no regime dos contratos celebrados à distância acerca da possibilidade de fornecer o bem ou o serviço de qualidade e preço equivalentes”.
A sanção privatística (emergente do Código Civil), é, porém, neste passo, menos gravosa, já que fulmina com uma mera anulabilidade a observância dos seus termos.
- As condições gerais vertidas em cláusulas singulares em sede de informação essencial a um consentimento livre, esclarecido e ponderado
Como o assinala a relatora, “a remissão para o lugar da internet da Vodafone… ‘para mais informações’ e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida.”
E,com uma singular propriedade, como o temos vindo a significar ao longo de uma vida consagrada à docência, “não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar conhecer efectivamente as condições gerais, é ao predisponente que compete proporcionar-lhe condições para tal.”
E tal emerge, desde logo, da estrutura do artigo 5.º da vigente Lei das Condições Gerais dos Contratos de 1985, segundo o qual
- As cláusulas insertas nos contratos singulares devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
- E a comunicação realizada
o de modo adequado e
o com a antecedência necessária (por forma a que a ponderação se não frustre) e
para que,
o ante a importância do contrato e
o a extensão e complexidade das cláusulas,
se torne possível o seu conhecimento
o completo e
o efectivo
por quem use de comum diligência.
E a informação que deve pontuar os contratos, mormente os de adesão, pré-elaborados ou de antemão redigidos, tem de obedecer aos ditames do artigo 8.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor:
“o fornecedor… deve, tanto na fase de negociações como na da celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada (não face ao consumidor médio, mas tendo em mira o concreto consumidor, o que, na circunstância se propõe contratar, à luz da sua própria aura).
A Conselheira – relatora , no sumário pelo seu punho, alude que “o dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente perceptível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expectativas”
O que se nos afigura, porém, é que o clausulado – de cabo a rabo - , ainda que formulado com o rigor exigível, o deva ser com objectividade, com clareza, com transparência e os esclarecimentos prestados em função dos graus de (i) literacia patenteados pelo concreto consumidor que se apreste a aceitar e ou a subscrever tal clausulado.
Aliás, sob pena de responsabilidade por culpa in contrahendo, as directrizes postuladas pelo n.º 1 do artigo 9.º da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor jamais poderão ser ignoradas:
“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”
Aliás, não se ignore o paradigmático acórdão do Supremo Tribunal de Justiça firmado pelo Conselheiro Fonseca Ramos a 30 de Outubro de 2007, segundo o qual
“I - “Os contratos de crédito ao consumo são contratos de adesão, já que, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada negócio, contêm cláusulas pré-determinadas destinadas à massa dos consumidores e que não são passíveis de negociação individualizada, aplicando-se-lhe o regime das [condições gerais dos contratos (cgc)].
II - Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção, como parte contratualmente mais débil, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” a cargo do proponente.
III - Essa comunicação dever abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento “completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
V) Nos contratos de crédito ao consumo em que intervêm, além do comprador, o financiador e o vendedor, não sendo simultâneas as assinaturas das três partes contratualmente envolvidas, sai afrontada a defesa do consumidor e o seu direito a ser informado, se o financiador, usando de cgc [condições gerais dos contratos] comete a terceiro (a entidade vendedora do bem) o dever de informação, como que numa delegação de competência que viola um seu dever pessoal, mais a mais sendo o consumidor analfabeto (a sua assinatura no contrato foi aposta a rogo por não saber ler).
V) Não é exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato” e “reserva de propriedade”, sobretudo se tais conceitos constarem das “Condições Gerais”, sendo, por isso, mais exigente o dever de informação.”
- A violação da Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985 de uma perspectiva substantiva
A Lei em epígrafe, na alínea d) do seu artigo 19 (cláusulas relativamente proibidas, ou seja, segundo o quadro negocial padronizado) prescreve
“São proibidas… as cláusulas contratuais… que:
…
d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes”
E, com efeito, a cláusula como que dá como consabida a adesão a algo cuja incompletude é manifesta, a saber:
“O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.
Aliás, os aspectos últimos versados neste passo foram objecto de apreciação no ponto precedente, mas reflectem eloquentemente a irresponsabilidade do predisponente ao remeter, de modo vago, os consumidores para algo que deveria ter sido convenientemente pormenorizado quando da celebração do contrato.
Ainda agora, uma concorrente da Vodafone – a MEO - advertia, sem mais, por mensagem, um consumidor que tão logo a margem de dados disponíveis chegasse ao seu termo, debitaria uma dado montante diário até ao fim do mês em curso… sem se ater à informação e à autorização expressa para o efeito e à aquiescência aos serviços adicionais que se propunha de plano facturar… à margem do que de mais elementar se exigiria!
- A apreciação à luz da cláusula-geral da boa-fé para que se inclinou a Conselheira-relatora
A cláusula-geral da boa-fé, nas vertentes por que se desdobra – a subjectiva e a objectiva – consagrada se acha no artigo 15 da Lei das Condições Gerais dos Contratos:
“São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.”
E, como se assevera, o conceito de boa-fé, como critério de validade das condições gerais dos contratos e das cláusulas singulares nelas vazadas, “surge como externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à liberdade contratual.”
A boa-fé, nas enunciadas vertentes, concretiza-se pelos critérios gerais definidos no artigo subsequente – a tutela da expectativa do aderente e o objectivo do contrato – e “é objecto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição de conteúdo contratual como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao predisponente de cláusulas contratuais gerais, contexto negocial que exige ao julgador um papel corrector e constitutivo da justiça contratual.”
E, ao contrário do que consagra noutras paragens, em que se entende pôr a tónica na boa fé-objectiva, por direitas contas, a boa-fé, em ordenamentos como o nosso e na esteira, por exemplo, do germânico, resulta da simbiose boa-fé subjectiva / boa-fé objectiva, como emerge do artigo 16:
“Na aplicação da norma… devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
- A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis [o conceito de boa-fé objectiva];
- O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado [o conceito de boa-fé subjectiva].
E a Conselheira-relatora, nas considerações que expende, entende – e, ao que se nos afigura, com inteira razão – que
“A [enunciada] cláusula contraria as duas vertentes da boa-fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra activados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de os recusar [os serviços de que se trata].”
E, como assisadamente pondera,
“tal cláusula
- envolve riscos para os interesses económicos do aderente,
- desrespeita a autodeterminação e as expectativas deste
- e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a [VODAFONE, S.A.], onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.”
- Os montantes em causa, segundo estimativa dos demandantes
A Vodafone, S.A. dispõe de uma carteira de clientes, ao que se afirma, da ordem dos 4 000 000 de clientes.
Os montantes arrecadados, a este título, nos últimos quatro anos, atingem, ao que asseveram os demandante singulares, em declarações à comunicação social, qualquer coisa como 4 000 000 000 € (quatro mil milhões de euros, vale dizer, quatro bilhões de euros, para o Brasil, algo como 20 880 000 000 R$, se&o).
Trata-se de valores muito expressivos no quadro actual das relações jurídicas de consumo, em Portugal, país com pouco mais de 10 milhões de habitantes intra muros).
No entanto, nos termos do pedido formulado, na petição inicial, pelos demandantes, o dies a quo para a restituição do indevido coincidiria com o do começo de vigência do diploma pátrio que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro, a saber, 13 de Junho de 2014…
- Procedimentos subsequentes após o trânsito em julgado da decisão
- Em circunstâncias normais, tanto quanto se julga saber, a empresa seria notificada para se pronunciar acerca do n.º de contratos em que tais cláusulas se inserem e os montantes, arrecadados, por hipótese, no lapso de tempo a que se aludiu, a título dos serviços adicionais, fora do pacote, pois, ofertado aos consumidores, já que serão elementos escriturados à parte ou então o resultado da dedução das receitas, a esse título, e o montante global dos contratos à prix constant (o dos pacotes)…
- Estabelecido o montante da indemnização global, os consumidores que se não auto-excluíram na acção proposta e no momento próprio, seriam chamados aos autos a fim de resgatarem as importâncias de que foram privados pelos serviços adicionais não solicitados, no decurso de um tal lapso activados: algo facilmente reconhecível e reconhecido pelas facturas em poder dos seus titulares.
- Se os consumidores não forem aos autos, se não fizerem prova ou a fizerem insuficientemente, não perceberão a quota parte na indemnização global (como a lei a denomina) ou só perceberão a fracção devidamente documentada.
- A indemnização prescreve no lapso de três anos.
- O remanescente reverterá para um Fundo, escriturado à parte, no Ministério da Justiça, que constituirá de suporte a futuras acções populares (e que, como tal, a isso serve de estímulo) mediante pretensão deduzida pelas associações cujos interesses se revejam neste tipo de acções (consumo, ambiente, qualidade de vida, património cultural…).
Se essa for a tramitação, a maior parte dos consumidores, importa reconhecê-lo, não peticionará a quota parte da indemnização por negligência ou razões outras: donde, o montante apurado em liquidação de sentença se destinar a procuradoria, à eventual indemnização deduzida pela demandante (no caso, uma associação - a “Citizens Voice”, de Gaia) e ao Fundo ad hoc, instituído no Ministério da Justiça.
Porém, de forma hábil, os demandantes, na acção. usaram de um mecanismo mais expedito, mais simples, mas sujeito naturalmente ao escrutínio do competente órgão de judicatura.
Do pedido consta nomeadamente:
- Que a todos os clientes da Vodafone, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, se reconheça o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços que não consentiram expressamente, mas que a empresa de comunicações haja deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional;
- Em qualquer dos casos, seja a Vodafone condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, os montantes relativos aos pagamentos adicionais efectuados por serviços que o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011 [13 de Junho de 2014] e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Empresa quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-cliente que reclame e assim o pretenda em alternativa ao crédito em conta corrente junto da própria VODAFONE.
Dos termos da Decisão infra consignada, não se sabe, porém, se é de retirar a conclusão de que se haja acolhido o pedido para que os montantes se inscrevam em conta-corrente na empresa ou se, em conta distinta, a apresentar tanto pelos clientes como por outros que terão cessado, entretanto, os seus vínculos à VODAFONE, S.A.
Ei-la:
“… concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré VODAFONE S.A., à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da activação automática de serviços adicionais não solicitados.”
CONCLUSÃO
- A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor - LDC (n.º 4 do artigo 9.º e n.º 2 do artigo 9.º-A) proíbe não só a prestação de serviços não solicitados, como o pagamento de quaisquer adicionais sem prévia aquiescência do consumidor: a violação de disposições legais de carácter imperativo ex vi artigo 16 da própria LDC importa a nulidade do acto (Código Civil: artigo 294);
- A Lei dos Contratos à Distância e Outras Práticas Comerciais [DL 24/2014, de 14 de Fevereiro] proíbe, de análogo modo, a cobrança de prestações não solicitadas (n.º 1 do artigo 28), o que conduz à nulidade do acto, de harmonia com o que precede;
- A Lei das Práticas Comerciais Desleais [DL 57/2008, de 26 de Março] [alínea d) do n.º 2 do artigo 11 e alínea f) do artigo 12] que prevê que o facto de se “exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado” é susceptível de importar a anulabilidade do acto, em dissonância com o que precede, sendo que a nulidade dos mais actos absorve a invalidade neste passo recortada, dependente em um dado lapso de tempo do impulso do consumidor;
- A Lei das Condições Gerais dos Contratos [DL 446/85, de 25 de Outubro] [alínea d) do artigo 19 e artigos 15 e 16] proíbe as ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos em si insuficientes, como a preclusão da cláusula-geral da boa-fé, como ocorre na circunstância, o que consubstancia a nulidade da cláusula aposta nos contratos singulares;
- Donde, a nulidade de tais cláusulas nos contratos singulares celebrados pelos consumidores com os fundamentos enunciados e, consequentemente,
- A imperiosidade da restituição do que fora indevidamente cobrado (desde a entrada em vigor do DL 24/2014, de 14 de Fevereiro, protraída para 13 de Junho de 2014) a relegar para liquidação de sentença.
- Ponto é saber se as restituições se farão de plano em conta corrente dos consumidores ou por qualquer outro meio que entendam indicar ou se os lesados que se não auto-excluíram (e nada se lobriga que tal haja ocorrido) terão de cumprir eventuais diligências processuais a fim de serem restituídos aos montantes de que se acham privados.