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Consumidor é o rei do mercado

Publicação:

Por Sophia Vial e colaboração de Claudia Silvano

O consumidor é o rei do mercado. A pandemia trouxe essa premissa à tona, mas nós consumidores não nos demos conta disso. Sempre que se cogita a hipótese de revelar ao consumidor o poder que ele tem, os freios estatais surgem para assegurar os direitos das empresas.


Ora, a lei de liberdade econômica (Lei 13.874/2019) coloca como princípio base que é subsidiária e excepcional a intervenção do Estado sobre o exercício das atividades econômicas (art. 2, III), mas quando o consumidor se empodera, o Estado logo chega criando travas ilegais para que o consumidor seja obrigado a permanecer no contrato.


Por óbvio que uma rescisão em massa trará efeitos inegáveis à economia, por isso é que o contrato deve ser relido e renovado por opção do consumidor com colaboração do fornecedor. Olhando sob essa ótica, precisamos relembrar princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em especial o da harmonização das relações de consumo com base na boa-fé.


Quando todos passam a entender que contratos são cadeias quase infinitas de consumidores e fornecedores que se confundem, as partes colaborarão para sua manutenção. Afinal de contas, também pequenas e microempresas em alguns casos poderão ser consideradas consumidoras. A harmonização das relações de consumo, portanto, só ocorrerá quando as partes estiverem dispostas a contar suas verdades e entregarem seu melhor para o seguimento da relação.


O que os instrumentos legislativos e infralegais têm trazido é um pressuposto contrário: o consumidor é inconsequente e não se preocupa com o seguimento das relações e geração de riqueza. Como se pode partir de tal premissa em um momento em que empregos foram perdidos, rendas foram diminuídas e a vulnerabilidade do consumidor foi agravada?


Aliás, se pensarmos nos contratos que mais têm trazido dúvidas às famílias veremos que são contratos de consumo como de escolas, creches, academias, internet, telefonia, gás, luz e água. Nessa lógica, entendo que as medidas governamentais só foram necessárias por extrema falta de transparência dos fornecedores que não revelaram seus custos aos consumidores mesmo nos contratos mais complexos e regulados.


Os contratos precisam ser individualizados, olhados em suas características únicas. A reação estatal revela o que o CDC já pressupõe: o consumidor é vulnerável, ele não consegue chegar às instâncias de decisão e, portanto, não têm seus pleitos atendidos.


Quando medidas provisórias determinam que a devolução dos valores pagos por consumidores serão retidos por tempo maior do que aquele que o consumidor levou para pagar, o Estado contraria a própria lei da liberdade econômica. Está portanto se imiscuindo na atividade econômica, impedindo negociações individuais e deixando o risco integral ao consumidor. É compreensível a necessidade de determinados setores, mas exceções precisam ser analisadas.


O que ocorre é que o Estado segura determinados mercados por ausência de capacidade de absorver em seus serviços públicos correspondentes esses consumidores-usuários. A resposta proposta pela OCDE é a intervenção estatal em favor do consumidor. As sugestões são de flexibilização no modo de pagamento dos contratos de empréstimo; suspensão de cobrança de dívidas; comunicação clara e outras no campo da flexibilização de contratos. Podemos perceber, portanto, que a OCDE sugere a manutenção dos contratos por meio da intervenção estatal. Prova de que o liberalismo econômico completo não funciona é a pandemia. Mesmo nos países com índices maiores de “liberdade econômica” os Estados são obrigados a contribuírem nas relações privadas.
Quando se pensa em alternativas de moratórias, como adotadas pela Alemanha, Itália, Espanha, Portugal e outros países se devolve ao contribuinte uma forma para que ele tenha fôlego suficiente para manter suas relações. A resposta moratória não é uma resposta simples, é uma resposta complexa, sugere uma mudança na lógica da resolução contratual prevista como resposta pelo Código Civil. Tal medida legislativa se impõe no momento e trará solução para manutenção de contratos olhando para aqueles consumidores que perderam renda e permitindo fôlego para que empresas sigam com seus contratos ativos.

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