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Mercado de consumo e discriminação de preços

Publicação:

Ilustração sobre fundo azul, com figuras de humanos no canto inferior esquerdo. No canto superior direito, se lê Opinião número 102, coluna semanal do consumidor. No canto inferior esquerdo, aparece o logo do Procon RS
Opinião 102
Por Mário Frota, presidente emérito da apDC - Coimbra

A propósito dos preços praticados pela TAP,

companhia aérea de bandeira com passagens mais baratas, surpreendentemente mais baratas, de Madrid que de Lisboa para os mesmos destinos no Continente americano, importa rever as disposições legais, em vigor na União Europeia, de molde a saber se tais práticas se justificam à luz dos normativos em vigor e das normas neles contempladas.

Não discriminação dos consumidores em razão do… lugar de residência

Eis os tópicos da lei em vigor (o DL 92/2010, de 26 de Julho), que se nos afigura algo confusa e rege a (não) discriminação de preços no que tange aos serviços oferecidos num dado Estado-membro da União Europeia

A NÃO DISCRIMINAÇÃO DOS DESTINATÁRIOS (E CLIENTES)

Os ‘destinatários dos serviços’ não podem ser discriminados em virtude da sua nacionalidade, do seu local de residência ou do seu local de estabelecimento.

[Por «destinatário dos serviços» se entende qualquer pessoa singular nacional de um Estado-membro ou que beneficie dos direitos que lhe são conferidos por actos comunitários, ou qualquer pessoa colectiva estabelecida em território nacional ou noutro Estado-membro que contrate ou pretenda contratar, para fins profissionais ou não, um serviço].

? As condições gerais de prestação do serviço definidas pelo prestador de serviços não podem ser discriminatórias em função da nacionalidade, do local de residência ou do local de estabelecimento do destinatário dos serviços. Em princípio.

E, em princípio, porque na lei se perfilam excepções.

Eis as EXCEPÇÕES

? É lícita a discriminação se a diferenciação for directamente justificada por critérios objectivos, a saber:

?  Se for necessária para assegurar o cumprimento de um requisito jurídico previsto no direito da União, ou na legislação de um Estado-membro, nos termos do direito da União, ao qual as actividades do comerciante se sujeitem;

? Se o comerciante propuser condições gerais de acesso, incluindo preços líquidos de venda, que difiram de Estado-membro para Estado-membro, ou dentro de um Estado-Membro, a clientes num determinado território ou a determinados grupos de clientes de forma não discriminatória;

? Se for resultante do facto de o comerciante se não achar na obrigação de respeitar requisitos jurídicos nacionais de natureza não contratual aplicáveis no Estado-membro do cliente relativamente aos respectivos bens e serviços em causa, ou não tiver de informar os clientes sobre esses requisitos;

? Se os comerciantes estiverem isentos de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado, agregado se diz por aí…), nos termos legais;

? Se uma disposição específica estabelecida no direito da União, ou na legislação dos Estados-membros nos termos do direito da União, impedir o comerciante de vender os bens ou de prestar os serviços a determinados clientes ou a clientes de determinados territórios;

? Quando tal se justifique por razões objectivas, nada impede que o comerciante suspenda a entrega dos bens ou do serviço até receber uma confirmação de que a operação de pagamento foi devidamente iniciada;

? A susceptibilidade de os comerciantes cobrarem encargos pela utilização de um instrumento de pagamento baseado em cartões para os quais as taxas de intercâmbio não sejam reguladas nos termos do direito da União, a não ser que a proibição ou a restrição do direito de cobrar encargos pela utilização dos instrumentos de pagamento tenham sido introduzidas na legislação do Estado-membro a que a actividade do comerciante esteja sujeita. Os encargos não podem, porém, exceder os custos directos suportados pelos comerciantes pela utilização de um tal instrumento de pagamento.

A lei não pode sujeitar os destinatários a quaisquer condições, limitações, proibições ou outras medidas que restrinjam a utilização de um serviço fornecido por um prestador de serviços pelo facto de este se encontrar estabelecido noutro Estado-membro.

Ademais, no que toca ao bloqueio geográfico e à precificação em razão do lugar de nascimento ou do domicílio ou o do estabelecimento, rege o Regulamento Europeu, directamente aplicável no espaço de cada um dos Estados-Membros em que, em geral, se estatui o que segue no atinente a

  1. Acesso às Interfaces em Linha;
  2. Acesso a Bens e Serviços;
  3. Acesso a Meios de Pagamento:

ACESSO ÀS INTERFACES EM LINHA

  • Os comerciantes não podem bloquear nem restringir, por meio de medidas de carácter tecnológico ou de qualquer outro modo, o acesso dos clientes às suas interfaces em linha por razões relacionadas com a nacionalidade, com o local de residência ou com o local de estabelecimento dos clientes.
  • Os comerciantes não podem redireccionar os clientes, por razões relacionadas com a nacionalidade, com o local de residência ou com o local de estabelecimento do cliente, para uma versão da sua interface em linha diferente da interface em linha a que o cliente tentou aceder inicialmente, em virtude da sua configuração, da utilização de um idioma ou de outros factores que dêem a essa interface em linha características específicas para clientes com uma nacionalidade, um local de residência ou um local de estabelecimento determinados, a não ser que o consumidor tenha dado o seu consentimento expresso para esse redireccionamento.
  • No caso de um redireccionamento efectuado com o consentimento expresso do cliente, a versão da interface em linha do comerciante a que o cliente tentou aceder inicialmente deve ser de fácil acesso para o cliente.
  • As proibições impostas nos passos precedentes não são aplicáveis caso o bloqueio, ou a restrição de acesso, ou o redireccionamento sejam necessários para assegurar o cumprimento de um requisito jurídico previsto no direito da União, ou na legislação de um Estado-Membro nos termos do direito da União, ao qual as actividades do comerciante se acham sujeitas.

Obs.: Nestes casos, o comerciante deve prestar informações claras e específicas aos clientes sobre os motivos pelos quais o bloqueio, a restrição de acesso ou o redireccionamento são necessários para assegurar esse cumprimento. 

Esta explicação deve ser dada no idioma da interface em linha à qual o cliente tentou aceder inicialmente.

ACESSO A BENS E SERVIÇOS

Os comerciantes não podem aplicar condições gerais de acesso diferentes aos bens ou serviços, por razões relacionadas com a nacionalidade, com o local de residência ou com o local de estabelecimento do cliente, caso o cliente procure:

  • Adquirir bens a um comerciante, se esses bens forem entregues num local situado num Estado-membro em que o comerciante propõe um serviço de entrega nas condições gerais de acesso, ou se os bens forem levantados num local acordado entre o comerciante e o cliente num dado Estado-membro em que o comerciante propõe essa opção nas condições gerais de acesso (ponto 1);
  • Receber serviços prestados por via electrónica pelo comerciante, excepto se se tratar de serviços cuja principal característica seja a oferta de acesso e a utilização de obras protegidas por direitos de autor, ou de outros materiais protegidos, incluindo a venda, sob forma imaterial, de obras protegidas por direitos de autor ou de material protegido (ponto 2);
  • Receber serviços de um comerciante, excepto se se tratar de serviços prestados por via electrónica, num local físico situado no território de um Estado-Membro onde este exerce a sua actividade (ponto 3).

 As proibições impostas nos passos precedentes não impedem que os comerciantes proponham condições gerais de acesso, incluindo preços líquidos de venda, que difiram de Estado-Membro para Estado-membro, ou dentro de um Estado-membro, e que sejam propostas a clientes num determinado território ou a determinados grupos de clientes de forma não discriminatória.

O simples cumprimento de tais  proibições não significa, por si só, que um comerciante tenha a obrigação de respeitar requisitos jurídicos nacionais de natureza não contratual aplicáveis no Estado-Membro do cliente relativamente aos respectivos bens e serviços em causa, ou que tenha de informar os clientes sobre esses requisitos.

A proibição imposta no ponto segundo não se aplica aos comerciantes que estão isentos de IVA nos termos da Directiva Europeia respectiva (a 2006/112/CE, de 28 e Novembro), do Parlamento Europeu.

As proibições previstas nos passos precedentes não se aplicam quando uma disposição específica estabelecida no direito da União, ou na legislação dos Estados-Membros nos termos do direito da União, impede o comerciante de vender os bens ou de prestar os serviços a determinados clientes ou a clientes de determinados territórios.

No que diz respeito à venda de livros, as proibições impostas não impedem que os comerciantes apliquem preços diferentes a clientes em determinados territórios, na medida em que tal seja necessário por força da legislação dos Estados-Membros. nos termos do direito da União.

ACESSO AOS MEIOS DE PAGAMENTO

Não discriminação por razões relacionadas com o pagamento

Os comerciantes não podem aplicar, no âmbito dos instrumentos de pagamento por si aceites, por razões relacionadas com a nacionalidade, com o local de residência ou com o local de estabelecimento do cliente, com a localização da conta de pagamento, com o local de estabelecimento do prestador de serviços de pagamento ou com o local de emissão do instrumento de pagamento na União, diferentes condições a operações de pagamento, caso:

  • As operações de pagamento sejam efectuadas através de uma transacção electrónica mediante transferência bancária, através de débito directo ou através de um instrumento de pagamento baseado em cartões da mesma marca e da mesma categoria;
  • Os requisitos de autenticação sejam cumpridos nos termos da legislação aplicável; e
  • As operações de pagamento sejam efectuadas numa moeda aceite pelo comerciante.

Quando tal se justifique por razões objectivas, a proibição imposta precedentemente não impede que o comerciante suspenda a entrega dos bens ou a prestação do serviço até receber uma confirmação de que a operação de pagamento foi devidamente iniciada.

A proibição imposta precedentemente não obsta a que os comerciantes cobrem encargos pela utilização de um instrumento de pagamento baseado em cartões para os quais as taxas de intercâmbio não sejam reguladas nos termos do pertinente  Regulamento Europeu [(UE) 2015/751] e para os serviços de pagamento aos quais não seja aplicável análogo instrumento [o Regulamento (UE) n.º 260/2012], a não ser que a proibição ou a restrição do direito de cobrar encargos pela utilização dos instrumentos de pagamento tenham sido introduzidas, de harmonia com a correspondente  Directiva [(UE) 2015/2366] na legislação do Estado-membro a que a actividade do comerciante está sujeita. Os encargos não podem, porém, exceder os custos directos suportados pelos comerciantes pela utilização do instrumento de pagamento.

Esclarecidos? Nem por isso?

É o que está, com efeito, legislado. Em geral e no que toca aos bloqueios geográficos e à precificação dos produtos e serviços em lugar, entre outros, do lugar de residência!

Não á fácil a apreensão dos termos da lei em vigor em Portugal (a lei interna e o Regulamento aplicável, sem mais, nas relações com estabelecimentos de outros Estados-membros).

Sem ignorar a Lei que entrará em vigor, em breve, restrita, no plano interno, às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, como no artigo anterior se assinalou…

É que há que traduzir tudo por miúdos!

Proíbe-se a discriminação de preços dos serviços. E dos bens e serviços no que toca ao bloqueio geográfico e aos preços, nessa exacta medida!

Só que as excepções a todos nos deixam de todo o modo perturbados.

Voltaremos ainda ao tema em tempo oportuno.

É que este direito não é acessível aos juristas, em geral, menos ainda aos consumidores em particular.

É algo de obscuro, que nos deixa algo confusos…

 

PROCON RS