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Não haverá garantias na compra e venda entre particulares?

Publicação:

ilustração com figuras de pessoas e as palavras opinião número 76
Opinião 76
Por Mário Frota, apDC - Direito do Consumo - Coimbra

A difícil arte de conjugar as fontes…

No Direito há vales, mas também há montes!

E é que nem sempre o que paira nos ares

É curial se aplique aos particulares?

 

Perante afirmações tão assertivas, uma pergunta singela: não haverá GARANTIAS na Compra e Venda entre PARTICULARES?

 

Reproduzimos neste espaço um artigo que veio a lume, há tempos, em consequência de uma afirmação (uma informação errónea, imprestável, descabida, prestada aos consumidores), nada fundada, que em determinado "consultório" uma pseudo-associação – a Deco – Proteste, Limitada - que se faz gala dos seus “saberes” propalou aos sete ventos, iludindo tudo e todos, já que não há torpeza maior do que a de enredar os cidadãos-consumidores  na sua própria ignorância não esclarecida.

 

Quando a informação é errónea, prejudica-se quem tem o direito porque o convencem de que o não tem e, nessa medida, o titular do direito deixa de o reivindicar, avantajando-se o infractor que não responde pelos seus actos, desculpados, afinal, pela desinformação prestada…

“Como dizia o filósofo grego, “só há um bem: o conhecimento; só há um mal: a ignorância”!

A denúncia parte de Albufeira, no Algarve (a região mais a sul de Portugal Continental):

“Do Consultório DECO-Faro, publicado no Diário Digital Sul Online, emerge esta expressão (uma autêntica pérola):

“NÃO HÁ GARANTIAS na compra e venda entre os particulares por não se tratar de uma relação de consumo.”

E nessa afirmação outros se suportam – e difundem-na - para garantir à exaustão que “não há garantias na compra e venda entre particulares”.

Uma inverdade mil vezes repetida…

Será verdade o que dizem ali os “paladinos” (?) de uma “certa” defesa dos consumidores?”

Estará isto correcto? Ou trata-se de mais um rematado disparate que só confunde as pessoas e as engana redondamente quanto aos seus mais elementares direitos?”

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Conhecendo:

COMPRA E VENDA DE COISA COM DEFEITO

Desde logo, sob a epígrafe “reparação ou substituição da coisa”, o Código Civil, que rege neste particular, define, em seu artigo 914, que

”o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela”.

Tal obrigação [a da substituição] não subsiste se o vendedor desconhecer sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece. 

A estas situações, porque lesivas do património do comprador, sobrevém, em geral, uma indemnização, exactamente por impulso do contraente-comprador.

De harmonia, porém, com o artigo subsequente, a indemnização não será devida se o vendedor desconhecer também, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa.

E no que tange à denúncia dos defeitos, eis o que o n.º 1 do artigo 916 do Código Civil (“denúncia do defeito”) estabelece:

“O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este [o vendedor] houver usado de dolo.”

A denúncia será feita até trinta (30) dias após o conhecimento do defeito e dentro de seis (6) meses após a entrega da coisa.

Tratando-se de imóvel, a denúncia será feita até um (1) ano depois de conhecido o defeito e dentro dos cinco (5) anos seguintes aos da entrega da coisa.

Se houver dolo do vendedor, não cabe a denúncia do vício ou da falta de conformidade da coisa.

E dolo é:

“qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a outra parte…”

A haver dolo, pois, o comprador arguirá a anulação da compra e venda, a fim de que volte tudo à forma primitiva: coisa devolvida, dinheiro restituído.

 

GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO

Se o vendedor estiver obrigado, porém, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador [ Código Civil: artigo 921).

Se o contrato for omisso (isto é, se nada disser), a garantia expira seis (6) meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta (30) dias depois de conhecido.

A acção caduca (decai, não vinga, não subsiste, não prossegue…) logo que finde o tempo para a denúncia (os 30 dias) sem que o comprador a haja feito, ou passados seis (6) meses sobre a data em que a denúncia se efectuou deveras.

 

CONCLUSÃO:

  • Há solução para os defeitos na compra e venda entre particulares: o vendedor tem de reparar e, no limite, substituir a coisa se não ignorar, sem culpa, do vício de que a coisa padece.
  • O prazo para o efeito, pós-entrega, é de seis (6) meses e o de trinta (30) dias para a oportuna denúncia dos vícios ou defeitos.
  • Há ainda garantia de bom funcionamento, em geral, decorrente dos usos mercantis, ao menos pelo prazo de seis (6) meses, nas relações entre particulares, com trinta (30) dias para a denúncia dos desvios detectados. 
  • A acção caduca logo que finde o lapso para a denúncia (os 30 dias) sem que o comprador a haja feito, ou seis (6) meses após a data em que a denúncia se notificara ao vendedor.

 

“Só há um bem, o conhecimento; só há um mal, a ignorância”!

Obs.:

No Brasil, o Código Civil trata desta matéria nos art.ºs 441 e ss: “vícios redibitórios”.

“Vício redibitório é um instituto  que se funda na existência oculta de um "vício" – de um defeito - no bem ou coisa objecto de venda, de tal forma que torna o seu uso ou destinação imprestável ou impróprio, ou lhe reduz ou diminui o valor.”

PROCON RS