O “spam” no ordenamento jurídico português
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Empresas de distintos segmentos do mercado [financeiro (seguradoras, instituições de crédito, sociedades financeiras), automóvel, energia, comunicações electrónicas, publicações …, com realce para a Deco Proteste, Limitada, subsidiária da multinacional belga “Euroconsumers, S.A., empresa de testes e publicações que tende a fazer-se passar, com sucesso, por associação de consumidores, e tem hoje projecção num sem- número de ramos de negócios, em que avulta o crédito, os seguros, a gestão de condomínios, os vinhos, etc.] vêm invadindo a esfera de privacidade de todos e de cada um, enchendo-lhes as caixas de correio electrónico e os celulares de mensagens indesejáveis, expedidas sem eventual consentimento prévio dos destinatários.
É de SPAM que se fala.
Na gíria, SPAM "tanto significa 'Sending and Posting Advertisement in Mass' ("expedir e postar publicidade em massa") como “Stupid Pointless Annoying Messages” (mensagem ridícula, despropositada, inoportuna, assediante, irritante).”
O termo terá tido a sua origem na marca SPAM, um tipo de carne suína enlatada da Hormel Foods Corporation. Que se associou à expedição de mensagens não-solicitadas mercê de um quadro do grupo de humoristas ingleses Monty Python.
“Na sua forma mais popular, um "spam" consiste numa mensagem de correio electrónico com fins publicitários. O termo "spam", no entanto, pode ser aplicado a mensagens enviadas por outros meios e em outras situações até bem mais simples. Geralmente os "spams" têm carácter apelativo e, na maioria das vezes, são incómodos e inconvenientes."
Em versão corrente, o "SPAM" consiste em mensagens não autorizadas de publicidade ou marketing directo (afinal, de “comunicações não solicitadas”).
As mensagens em circulação, que acompanham as comunicações electrónicas não solicitadas, tendem a iludir, porém, os destinatários com uma menção usual, que se repete à exaustão, do teor seguinte:
“Esta mensagem é enviada para (nome do destinatário) de acordo com a legislação europeia em vigor sobre o envio de mensagens comerciais, ao abrigo da Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e Relatório A5-0270/2001 do Parlamento Europeu, e não pode ser considerado "SPAM", pois está claramente identificada pelo seu emissor.” Todas se inspiram em análogo modelo, em si mesmo enganador e lesivo dos interesses e direitos do consumidor. |
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É, pois, de um embuste que se trata: nem a directiva europeia nem a lei portuguesa de transposição o consentem em termos tais, tratando-se de consumidores singulares (pessoas físicas). Que em Portugal, com excepções aqui e além, as pessoas colectivas (pessoas jurídicas) são insusceptíveis de se recobrirem com o manto de consumidores e de se prevalecerem das normas que tutelam a sua protecção, importa dizê-lo.
A LEI DA PRIVACIDADE DAS COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
A Lei da Privacidade nas Comunicações Electrónicas de 18 de Agosto de 2004, vigente em Portugal, proíbe expressamente, no seu art.º 13-A, o SPAM desde que dirigido a PESSOAS SINGULARES (físicas), como segue:
“Está sujeito a consentimento prévio e expresso do assinante que seja pessoa singular, ou do utilizador, o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing directo, designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada automática), de aparelhos de telecópia ou de correio electrónico, incluindo SMS (serviços de mensagens curtas), EMS (serviços de mensagens melhoradas) MMS (serviços de mensagem multimédia) e outros tipos de aplicações similares.”
O SPAM E AS PESSOAS COLECTIVAS (JURÍDICAS): O OPT OUT
Aos assinantes, pessoas colectivas (pessoas jurídicas), é lícita, em princípio, a remessa de comunicações não solicitadas para fins de marketing directo, a menos as recusem, devendo para tanto inscrever-se na lista de exclusão para o efeito organizada e cuja constituição a lei prevê adequadamente.
PERMISSÃO DE REMESSA AOS CONSUMIDORES SINGULARES (PESSOAS FÍSICAS) NO QUADRO DO REGIME DE PROTECÇÃO DE DADOS
A proibição a que se aludiu não impede que o fornecedor que haja obtido dos seus clientes, nos termos do Regulamento Geral de Protecção de Dados Pessoais, no contexto da venda de um produto ou serviço, as respectivas coordenadas electrónicas de contacto, possa utilizá-las para efeito de marketing directo de bens análogos aos transaccionados, desde que lhes garanta, clara e explicitamente, a possibilidade de recusarem, de forma gratuita e fácil, a utilização de tais coordenadas:
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no momento da respectiva recolha; e
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por ocasião de cada uma das mensagens, quando o cliente não haja recusado inicialmente uma tal utilização.
A DISSIMULAÇÃO DA IDENTIDADE DO REMETENTE
As mensagens em que se oculte ou dissimule a identidade da pessoa em nome de quem é efectuada a comunicação sem a indicação de um meio de contacto válido para o qual o destinatário possa enviar um pedido para pôr termo a essas comunicações são também proibidas.
LISTAS OPT IN
Às entidades a que cabe a remessa de comunicações para fins de marketing directo, nos termos precedentemente enunciados, cumpre manter, por si ou por instituições que as representem, uma lista actualizada de pessoas que manifestaram expressamente e de forma gratuita o consentimento para a recepção deste tipo de comunicações.
Outrotanto deve ocorrer com as pessoas que não se hajam oposto à sua recepção , no contexto da venda de um produto ou serviço, e cujas coordenadas electrónicas de contacto hajam sido obtidas na sequência de uma operação negocial e nos termos ali prescritos,
LISTAS OPT OUT
As pessoas colectivas (jurídicas) que se hajam manifestado expressamente em oposição à recepção de comunicações não solicitadas para fins de marketing directo figurarão numa lista de exclusão (op out)que se constituirá de molde a cumprir-se um tal desígnio.
Tal lista de exclusão, de âmbito nacional, organizá-la-á a Direcção-Geral do Consumidor (DGC), órgão da administração directa do Estado dependente do Ministério da Economia e Transição Digital, cuja actualização permanente lhe compete de análogo modo, por elementar.
Pela inscrição das pessoas colectivas na lista de exclusão não serão devidos emolumentos ou quaisquer outros encargos.
A inserção na lista de exclusão das pessoas colectivas que o pretendam depende do preenchimento de formulário electrónico que a DGC disponibilizará mediante formulário electrónico que constará obrigatoriamente da sua página institucional.
As entidades que promovam o envio de comunicações para fins de marketing directo obrigam-se a consultar a lista de exclusão (opt out), revista e actualizada mensalmente pela DGC, que a dispensará aos interessados mediante solicitação expressa.
A PARTILHA DE COMPETÊNCIAS NESTE PARTICULAR
À CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados - e à ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações -, que intervêm neste particular domínio, outorga a lei dadas atribuições, a saber:
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Elaborar regulamentos relativamente às práticas a adoptar em cumprimento da Lei da Privacidade nas Comunicações Electrónicas;
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Dar ordens e formular recomendações;
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Conferir, nos respectivos sítios na Internet, a mais ampla publicidade aos códigos de conduta que se estabeleçam neste particular;
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Publicitar de análogo modo e nos sítios respectivos as demais informações que para o efeito considerem relevantes.
DEVERES A QUE SE ADSCREVEM AS ENTIDADES INTERVENIENTES NESTE DOMÍNIO
As entidades sujeitas às obrigações a que se alude devem, quando instadas, prestar ao Regulador das Comunicações, a ANACOM, na respectiva área de competência, as informações pertinentes à sua actividade.
Os pedidos de informação, devidamente fundamentados, obedecerão a princípios de adequação (em vista do fim a que se dirigem) e de proporcionalidade.
As informações prestar-se-ão nos prazos, na forma e com o grau de pormenor exigidos pelo Regulador.
As entidades interpeladas devem identificar, fundamentadamente, as informações confidenciais, anexando, se for o caso, cópia não reservada dos documentos de onde constem tais informações.
A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA
& SEUS PRESSUPOSTOS
Tanto a CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados - quanto a ANACOM – o Regulador das Comunicações - podem, circunscritas às áreas de competência que se lhes reconhece, aprovar medidas tendentes a assegurar uma cooperação transfronteiriça eficaz na execução, em extensão e profundidade, dos ditames da Lei da Privacidade nas Comunicações Electrónicas.
Sempre que de per si o entendam, cabe a cada um dos Reguladores submeter à Comissão Europeia (o Executivo da União Europeia), em tempo útil e antes ainda da aprovação de tais medidas, uma sinopse da exposição de motivos, dos requisitos para o efeito e das acções que se propõem primacialmente encetar.
A OUTORGA DA LEGITIMIDADE PARA A ACÇÃO AOS PRESTADORES DE SERVIÇOS DAS COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
Os prestadores de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público vêem reconhecida legitimidade processual (legitimatio ad causam) para propositura de acções judiciais contra quem incumpra qualquer das prescrições supra mencionadas de molde a assegurarem a tutela dos interesses dos clientes, como parte dos objectivos negociais que perseguem.
A MOLDURA SANCIONATÓRIA
Em geral, sempre que as empresas cujo modelo formal assente na figura da pessoa colectiva (jurídica), as coimas para a violação das obrigações a que se vinculam oscilam entre 5,000 a 5 000 000 €.
Para além da existência de sanções acessórias, como o estabelece a Lei das Comunicações Electrónicas.
A entidade que zela pelo cumprimento da lei, no particular da remessa do SPAM, é a COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS, sediada em Lisboa, à qual deverão ser presentes as denúncias das pessoas singulares por esse modo afrontadas.
A CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados - ou a ANACOM – o Regulador das Comunicações - , nos domínios de competência respectivos, podem ordenar ainda ao infractor que cumpra o dever ou a ordem transmitida, sob pena de sanção pecuniária compulsória (astreinte), a arbitrar de harmonia com o que prescreve, em termos ordinários, o Código Civil.