O superendividamento no Brasil e o PL 3.515/15
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Para tratar deste tema, inicialmente é preciso elucidar o conceito de superendividamento. A maior parte da doutrina entende como superendividado o indivíduo que já comprometeu o seu mínimo existencial em dívidas, e portanto não consegue pagar contas básicas de subsistência (água, luz etc…).
Como resultado do superendividamento, um parcela significativa da população (cerca de 30 milhões de brasileiros) está às margens do mercado de consumo, aí podemos perceber a relevância do Projeto de Lei 3.515/15, pois este visa à reinserção destes cidadãos no mercado de consumo.
O projeto vem recebendo apoio de diversas entidades e grupos, em outubro de 2019 a BRASILCON (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor) publicou uma carta aberta, manifestando seu apoio à aprovação do PL 3.515/2015, o qual, segundo o Instituto, se justifica pelos benefícios da reinserção dos consumidores ao mercado. Na carta, argumentam que “o impacto econômico da recolocação no mercado destes cidadãos trará um enorme crescimento dos serviços oferecidos no Brasil.” e ainda, “trata-se de um passo fundamental para superar a cultura da dívida e passar para era da cultura do pagamento, diminuindo o número de endividados instituindo o crédito responsável, reduzindo uma mazela que tem prejudicado milhões de brasileiros.”, ou seja, além da reinserção dos consumidores, existe a preocupação em estabelecer políticas de responsabilidade no crédito, a fim de evitar que o consumidor fique em situação de superendividamento.
O QUE MUDA COM O PL 3.515/15
O Projeto de Lei 3.515/15 dá atenção especial à questão do superendividamento, visto que propõe a inclusão no CDC de um capítulo especificamente voltado para a prevenção e tratamento do superendividamento (“CAPÍTULO VI-A DA PREVENÇÃO E DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO”). Dentre as medidas preventivas, chama atenção o art. 54-B, I, que determina o seguinte: “No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre: I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;” Ou seja, no momento de tomar a decisão sobre pegar um empréstimo ou fazer uma compra a prazo, o consumidor deverá ser informado sobre o custo efetivo do serviço, esta alteração é importante pois possibilita ao cliente saber com exatidão o quanto ele precisará “desembolsar”.
Outra alteração importante está no art. 54-E, § 2º, que prevê o direito ao arrependimento do crédito consignado em até 7 dias, sem a necessidade de indicar o motivo. Ocorre que em muitos casos o consumidor é influenciado na hora de decidir se irá pegar um empréstimo, seja pela persuasão dos atendentes, seja pela facilidade e rapidez com que ele receberá o dinheiro. Enfim, o fato é que no “calor do momento” é difícil para o cidadão médio ponderar de forma racional se ele está de fato fazendo um bom negócio e poderá sanar esta dívida no futuro. O prazo de 7 dias é um tempo a mais, para que o consumidor possa refletir com calma se o crédito consigando que ele busca é uma alternativa “saudável” economicamente no caso dele. Este tempo extra para analisar a situação ajuda a evitar a criação de dívidas que venham a se tornar insustentáveis e que possam colocar o indivíduo em situação de superendividamento.
Nas palavras de Carlos Marchionatti, Doutorando em Economia pela PUCRS, “... restringir a obtenção exagerada de crédito e criar mecanismos para “recuperar” o endividado são os maiores benefícios da PL, pois evita que excessivamente se perca renda no futuro ou eventualmente perca toda renda pagando juros, amortizando a dívida ou até mesmo tendo de tomar crédito novo para pagar o crédito (dívida) anterior. Para recuperar o endividado, a orientação para não tomar mais crédito e se esforçar para quitar o atual é outro benefício da PL.”, ele ainda alerta, “Um possível, mas raro, malefício seria quando o tomador de crédito é restringido a tomar uma quantia que seria positiva para o mesmo. Por exemplo, comprar um imóvel ou bem que possa trazer mais retorno financeiro que o pagamento de juros da dívida criada a partir do crédito tomado.”
Além de prevenir o superendividamento, o PL 3.515/15 busca formas de reinserir os superendividados no mercado de consumo. Uma destas formas é a conciliação, inclusive, no projeto de lei do qual trata este artigo, há um capítulo direcionado a conciliação no superendividamento (“CAPÍTULO V DA CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO”).
O art. 104-A prevê a conciliação judicial “A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, visando à realização de audiência conciliatória,”, todavia, a conciliação também pode ser administrativa, como pontua o art. 104-C, “Compete concorrentemente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A, no que couber. § 1º Em caso de conciliação administrativa…”. Embora a conciliação possa ser feita pela via judicial ou administrativa, o foco está no princípio da boa fé, na cooperação entre credores e devedores (e entre credores e credores também), de modo que se atinja a satisfação do crédito sem comprometimento do mínimo existencial.
CONCLUSÃO
Ainda que a restrição da obtenção de crédito possa, eventualmente, criar situações aonde o tomador de crédito não consiga tomar uma quantia que seria benéfica para ele, estas seriam raras, pois o objetivo do PL 3.515/15 NÃO é meramente dificultar a obtenção de crédito, mas sim incentivar a RESPONSABILIDADE na obtenção de crédito, o que, consequentemente, previne o superendividamento.
Cumpre salientar que o superendividamento é prejudicial tanto para o indivíduo, que tem sua subsistência afetada e é excluído do mercado de consumo, não podendo desfrutar de bens que lhe dariam qualidade de vida, quanto para o mercado, que, com o aumento do número de superendividados, perde consumidores.
Além da prevenção, o PL 3.515/15 visa à reinserção de consumidores ao mercado, retirando eles da situação de superendividamento, através de ferramentas como a conciliação. É impossível negar o impacto positivo que pode ser gerado na economia com a reinserção destes consumidores, o que ainda pode ser potencializado após o fim da pandemia, com a volta ao funcionamento integral dos serviços não essenciais.
Texto: Marcelo Montserrat Schmidt Martins, advogado graduado pela UFRGS, e Daniela de Castro Martins, estudante do último semestre do Direito da UFRGS.